terça-feira, 4 de outubro de 2011

O projeto original do Reino de Deus

MISSÃO INTEGRAL: UMA COSMOVISÃO CRISTÃ

O conceito de Missão Integral relaciona-se com uma cosmovisão1 que denota a relevância da Missão Cristã hoje. Cosmovisão, numa perspectiva geral, engloba interesses centrais do significado da vida humana. Ela tem na existência da pessoa um caráter intrinsecamente prático, definindo-se como “a soma total de suas crenças sobre o mundo, o ‘grande desenho’ que dirige as suas decisões e ações diárias”.2 Nesse aspecto, a Missão Integral é uma cosmovisão cristã que se fundamenta no desenvolvimento da relação humana com Deus. Ela avalia as tensões das esferas do ser humano (corpo, alma e espírito) justificando as ações do homem cristão no mundo.

A Missão Integral, como uma cosmovisão cristã, observa e compreende a realidade da existência humana num viés holístico. Ela busca impactar a vida toda com a mensagem e a prática do evangelho. Charles Colson e Nancy Pearcey, destacados pensadores norte-americanos, analisam a base bíblica de uma relevante cosmovisão cristã para mundo:
 
A base bíblica para esse entendimento é a narrativa da criação, onde nos é dito que Deus falou e tudo veio a existir do nada (ver Gn 1 e João 1.1-14). Tudo o que existe veio à existência mediante o seu comando, e é por esta razão sujeito a Ele, encontrando propósito e sentido nEle. A implicação é que em todo assunto que investigamos, desde ética econômica até ecologia, a verdade só é encontrada em conexão com Deus e sua revelação. Deus criou o mundo natural e as leis naturais. Deus criou os nossos corpos e as leis morais que nos mantêm saudáveis. Deus criou as nossas mentes e as leis da lógica e da imaginação. Deus nos criou como seres sociais e nos deu os princípios para instituições sociais e políticas. Deus criou um mundo de beleza e princípios de criação estética e artística [grifo meu]. Em toda área da vida, conhecimento genuíno significa discernir as leis e ordenanças pelas quais Deus estabeleceu a criação, e então permitir que essas leis modelem a maneira pela qual devemos viver. 3

A cosmovisão cristã da Missão Integral se origina na história da Criação. Nela, Deus se apresenta soberano e auto-existente; e pelo seu intento estabelece propósitos e sentidos ao mundo, e principalmente, ao homem. Na criação protagonizada por Deus, como sugere a narrativa de Gênesis, o projeto divino desdobra-se, no espaço de 7 (sete) dias, na formação do habitat natural que viabiliza a vida no mundo. Deus criou o homem numa perspectiva global para cuidar de todo o habitat natural que lhe foi entregue. Não obstante, o teólogo pentecostal Timothy Munyon, acerca da perspectiva global da natureza do ser humano, afirma: “[...] o que afeta um elemento do ser humano afeta a pessoa inteira. A Bíblia vê a pessoa como um ser global, e o que toca numa parte afeta a totalidade”.4 Na mesma direção, o teólogo reformado Louis Berkhof concorda que Deus, no ato da criação,  usou para a formação do corpo humano uma matéria prima (o barro) distinta da “substância” usada na criação da alma. Para Berkhof, apesar de as duas matérias constituirem a natureza humana, no advento da criação, ambas são distintas. Logo, “a dupla natureza do homem”5 é inequivocamente ensinada nas Escrituras. Portanto, o homem é um ser integral e sua “redenção é tão abrangente quanto a criação e a queda. Deus não salva apenas nossa alma, deixando nossa mente a funcionar sozinha. Ele resgata a pessoa inteira”.6 A natureza holística da humanidade se origina no Éden, e especificamente no estabelecimento da Imago Dei na criatura humana.  

Homem: A Imago Dei

Na esfera ética e moral, a dignidade humana é compreendida quando o Senhor estabelece a Imago Dei. Esta se manifesta no homem através da sua constituição espiritual, da particularidade moral, da manutenção da consciência e do uso do livre-arbítrio. Tais características fazem o homem obedecer, ou não, os direcionamentos recebidos de Deus; pontuando assim, a distinção entre homem e outros seres vivos. Como um ser racional, o homem possui a capacidade de pensar e produzir conhecimentos e ideologias. Ele é, através da função estabelecida por Deus, o executor do mandato cultural para administrar a natureza presente no planeta denominado Terra7:
 
E Deus os abençou [homem e mulher] e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todo animal que rasteja pela terra. E disse Deus ainda: Eis que vos tenho dado todas as ervas que dão semente e se acham na superfície de toda a terra e todas as árvores em que há fruto que dê semente; isso vos será para mantimento. E a todos os animais da terra e a todas as aves dos céus, e a todos os répteis da terra, em que há fôlego de vida, toda erva verde lhes será para mantimento. E assim se fez.8

Para entendermos de fato a Missão Integral da Igreja, é importante considerar a imprescindibilidade do estabelecimento de uma cosmovisão cristã que compreenda o homem desde a Criação cuja mensagem de salvação parta do pressuposto de que o plano de Deus é salvar sua Criação inteira, considerando que “a redenção não é somente ser salvo do pecado, mas também ser salvo para algo – retomar a tarefa para a qual fomos originalmente criados”.9

Por isso, o ser humano constituído por duas dimensões (material e imaterial) em sua própria natureza, precisa ser compreendido holisticamente pela Igreja para que uma prática bíblica e teologicamente adequada seja estabelecida na Missão Cristã. É assim que o teólogo John Stott observa quando analisa a globalidade da natureza humana:
 
O nosso próximo é uma pessoa, um ser humano, criado por Deus. E Deus não o criou como uma alma sem corpo (para que pudéssemos amar somente sua alma), nem como um corpo sem alma (para que pudéssemos preocupar-nos exclusivamente com seu bem-estar físico), nem tampouco um corpo-alma em isolamento (para que pudéssemos preocupar-nos com ele somente como um indivíduo, sem nos preocupar com a sociedade em que ele vive). Não! Deus fez o homem um ser espiritual, físico e social. Como ser humano, o nosso próximo pode ser definido como “um corpo-alma em sociedade”. Portanto, a obrigação de amar o nosso próximo nunca pode ser reduzida para somente uma parte dele. Se amamos nosso próximo como Deus o criou (o que é mandamento para nós), então, inevitavelmente, estaremos preocupados com o seu bem-estar total, o bem-estar do seu corpo, da sua alma e da sua sociedade.10

A partir de uma cosmovisão cristã embasada na doutrina da criação é possível entender, segundo John Stott, que a sentença “Pregarás o Evangelho” não substitui a “Amarás o teu próximo”.11Ambas as sentenças se complementam e sustentam-se por si mesmas, denotando suas autonomias teológicas para fazer cumprir a “doutrina” sistematizada em dois pilares por Jesus de Nazaré: o primeiro “Amarás o Senhor teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento.” E o segundo “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”. A Missão Integral da Igreja Cristã permeará esses dois eixos apontando que o homem precisa de salvação para o porvir (restauração da comunhão do homem com o Deus eterno), mas também de redenção para o presente. O ser humano inserido num contexto de pobreza, miséria, exploração e injustiças sociais, precisa ser compreendido pela Igreja numa perspectiva global. Onde ele entenda a sua função de existir para Deus e servir o próximo necessitado (Mc 12.30,31).

Essa é a mensagem que denota “o nosso valor e dignidade [...] fundamentados no fato de que somos criados à imagem de Deus, chamados para sermos seus representantes na terra”.12 Numa perspectiva profundamente bíblica, a Missão Integral da Igreja resgata a dignidade humana perdida no Éden após a Queda, mas estabelecida pelo Altíssimo desde a fundação do mundo (Gn 1.26). A salvação em Cristo recupera a imagem de Deus em nós. Então, estamos prontos para exercer o modelo bíblico de uma Missão Integral no mundo. 

NOTAS

1 “Cosmovisão é um conjunto de crenças e práticas que moldam o envolvimento da pessoa nos assuntos mais importantes da vida”

 Texto Bíblico: Marcos 4.1-3,10-12; Lucas 17.20,21

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